fevereiro 20, 2005

Maioria de Sócrates faz cair Portas mas não afasta Santana

Mais de dois milhões e meio de votos - score só ultrapassado por Cavaco. José Sócrates não só conquistou a primeira maioria absoluta da história do PS como é o primeiro líder a saltar da oposição para a estabilidade monocolor no Parlamento.

O PS arrasou os dois parceiros da coligação de direita, na contagem concreta de deputados e, também, do ponto de vista simbólico. Os socialistas triunfaram em Viseu, o antigo cavaquistão; ganharam, pela primeira vez, em Vila Real; empataram, em número de deputados, na Madeira - e Alberto João Jardim (notava António Barreto, na RTP) até leu um discurso, em detrimento dos seus célebres improvisos. No Alentejo profundo, o PSD foi atirado para a votação dos tempos pré-Cavaco, uma vez que não há qualquer deputado laranja por Portalegre, Évora, Beja. No fundo, o PSD apenas ganhou na Madeira e em Leiria.

Até a co-incineração que podia ser um dos "calcanhares de Aquiles" não foi problema na contestatária cidade de Coimbra. O PS reafirmou a tradição socialista do distrito e reconduziu o CDS/PP - onde o cabeça-de-lista e ministro do Ambiente, Nobre Guedes, fez cartazes sobre o tema e chegou a sugerir um "levantamento popular" contra Sócrates - a quarto partido no círculo (com poucos votos acima da CDU) e a quinto em Souselas, a freguesia da cimenteira.

luta pelo poder no psd. Perante este cenário, que não era criação das empresas de sondagens nem invenção dos jornalistas, Santana Lopes assumiu a responsabilidade pessoal e anunciou a realização de um congresso extraordinário. Respondia, assim, aos críticos que nunca o acompanharam (de Pacheco Pereira a Miguel Veiga) e àqueles que, apesar de tudo, aceitaram ir para a campanha (como Marques Mendes ou Marcelo Rebelo de Sousa). Mas não se demitiu!

E só quem não conhece o instinto do político que, contra a opinião generalizada, ganhou as autárquicas na Figueira e em Lisboa, poderia admitir que o primeiro-ministro demissionário, apesar das acusações de trapalhadas - no Governo (do discurso de posse à demissão de Henrique Chaves) e na campanha (da pausa de Carnaval ao feriado nacional pela morte da Irmã Lúcia) - abandonasse a liderança sem luta. O seu magnetismo pessoal, que irrita o PSD bem-pensante pelo "culto da pessoa" (como sublinhava Pacheco Pereira, na TVI), pode não chegar, contudo, para explicar a pior derrota desde... 1976 (!) - o ano da melhor votação de sempre do CDS! Ainda por cima, Santana deu agora lugares de deputado ao PPM e ao MPT - há três anos, valiam juntos 0,51%! Além disso, pela primeira vez, na história da II República, o PSD tem menos de um terço dos deputados, o que o impedirá de bloquear qualquer maioria qualificada na Assembleia da República.

Mas, para já, a questão mais premente é quem irá avançar no próximo congresso? Marques Mendes, muito provavelmente. Marcelo também já não se deixa apanhar a repetir ametafórica imagem de Cristo regressar à Terra. E há ainda Morais Sarmento, que habilmente se demarcou também desta opção do presidente do PPD/PSD, falando num novo ciclo e na renovação de caras. Outros mais. Nos próximos dias devem multiplicar-se as entrevistas de barões do partido e do renascimento dos vários ismos laranjas.

novo ciclo no CDS. "Falhei! Perdi!" Paulo Portas, que pediu dois digitos para ser a terceira força política, com mais deputados que a CDU e o BE juntos, radicalizou o discurso à direita, exagerou na pose de Estado e perdeu mesmo o segundo deputado pelo "seu" círculo de Aveiro - e de nada vale lembrar que o CDS/PP recuperou o deputado em Viana do Castelo (o último foi Daniel Campelo, o célebre "deputado limiano"). Obviamente, demitiu-se. Não teria outra saída, mesmo tendo apenas perdido dois deputados - nada que se compare com o CDS "do táxi", com quatro parlamentares na época da maioria absoluta do PSD.

Portas teve todo o partido a aplaudi-lo nesta estratégia eleitoral, de Maria José Nogueira Pinto a Lobo Xavier, de Adriano Moreira a Nobre Guedes. Os apoios que lhe faltaram já não eram, verdadeiramente, de votantes centristas. Freitas do Amaral, por exemplo, não se revê no partido desde os tempos do PP de Manuel Monteiro (entretanto, fundador do PND, que não consegue ultrapassar o MRPP) - como tinha sucedido também com outro ex-líder, Lucas Pires. Por enquanto, ninguém tem "coragem" para avançar para a sempre ambicionada liderança.

Jerónimo inverte queda da CDU. O operário que ascendeu à liderança do PCP (o que não sucedia desde Bento Gonçalves, há mais de meio século!), conseguiu descolar o rótulo de ortodoxo. A simpatia de Jerónimo de Sousa, até mesmo quando ficou afónico no debate televisivo, conseguiu inverter a tendência de perda eleitoral da coligação, que voltou a ser a terceira formação política. A CDU continua a ser a segunda força eleitoral em Setúbal (onde, mesmo assim, perdeu um deputado), Évora e Beja, ao mesmo tempo que recuperou o deputado por Braga e elegeu o segundo pelo Porto - o que alarga a influência geográfica dos comunistas e seus aliados.

Ainda por cima, mesmo com a maioria absoluta do PS, o próximo governo, numa fase de crise económica e de prudência na despesa pública e privada, precisa do apoio, expresso ou táctico, do PCP, único partido que continua a dominar o movimento sindical

BE passa de três para oito. O discurso do Bloco de Esquerda era passar a ser a terceira força política, mas só atingiu esse objectivo em Coimbra e em Faro. Uma fasquia arrogantemente alta? Provavelmente. Mesmo assim, continuando em quinto no ranking, o BE quase triplicou o número de deputados e, em vários distritos, esteve a disputar taco a taco as eleições com a CDU, num interessante despique à esquerda do PS. Neste momento, falta demonstrar se a imagem da unidade e eficácia do Bloco se manterá com oito deputados. E, além de só influenciar as medidas que o PS queira subscrever, terá ainda de desfazer o equívoco em torno da liderança a não ser que, por exemplo, Luís Fazenda ou outro dirigente surja no actual papel de Louçã na campanha nacional das autárquicas ou, então, tacitamente o líder acaba por ser mesmo o antigo rosto do PSR.

E agora, Sócrates? Soares lançou a tese do "governo de salvação nacional" perante Sócrates, em Coimbra, e nem sequer os mais aparelhistas o contestaram. "Cada coisa a seu tempo", repetia, ontem, o secretário-geral. Sócrates sabe, porém, que tem de constituir um gabinete forte, com os melhores nomes do guterrismo (Vitorino, Cravinho, Carrilho, Costa, Seguro, vários outros), as novidades que apresentou (como Manuel Pinho) e independentes que são compagnons de route (de que é um exemplo Vital Moreira).

E, quando passar das generalidades programáticas para as políticas concretas, a pasta das finanças não é a única fundamental, pois há outros ministérios chave, para executar as metas prometidas e garantir tranquilidade na sociedade, como são os da educação e da saúde. Depois, convém não desprezar as autárquicas (devendo potenciar o efeito da oferta de Carrilho a cidades como Porto ou Coimbra). E lançar as presidenciais. "Cada coisa a seu tempo."

fernando madaíl LISBOA