Ferreira Gullar, Poeta do Sol na Primavera
Ultimamente, Ferreira Gullar tem observado o Sol, as estrelas, o cosmo, enfim, com olhos diferentes. O poeta, que completou 74 anos no dia 10 de setembro, diz que seus últimos poemas, que nascem aos poucos, estão ligados a questões sobre o Universo. Num dos poemas, “O inimigo oculto”, ele fala do bólide que vai cair sobre o planeta, não se sabe quando. Até porque o tempo do Sol, com seus quase cinco bilhões de anos de existência, e das outras estrelas é, como ele diz, “o mesmo que a eternidade para mim, pobre ser humano que vai durar algumas décadas”. Atento a essas dimensões inumanas, Gullar, talvez por isso, tem reiterado sua predileção pelas coisas menores, calorosas, pelo bate-papo em volta das tulipas de chope e as brincadeiras com seu gato (“Gatinho, confesso, não me importa quanto dura uma estrela/ importa-me quanto duras tu, querido amigo com esses teus olhos azul-safira”, escreveu ele no poema “A estrela”).
— Quando as coisas crescem demais, elas ficam esmagadoras, assustadoras, saem da medida. Não gosto do que é muito grande, monumental — afirma o poeta, que, por isso mesmo, aceitou feliz o convite para ser o primeiro patrono da Primavera dos Livros, a feira das médias e pequenas editoras, que, em sua quarta edição, começa hoje no Jockey Club, na Gávea, e poderá ser visitada até domingo. — A Primavera é uma iniciativa muito boa, uma alternativa para as editoras menores, porque a outra feira (a Bienal do Livro) é muito grande, muito cara. As pequenas não têm como participar, a menos que se juntem em grupo. Acho a Primavera muito simpática, justamente por ser menor.
O poeta está recebendo dupla homenagem, porque a nova edição da revista “Poesia sempre”, editada pela Biblioteca Nacional, vai ser lançada hoje na Primavera, reformulada e com um dossiê sobre o autor de “Poema sujo” e “Luta corporal”. Gullar vai conversar com o público às 18h e depois autografar a revista, na qual se pode ler uma entrevista em que faz um balanço de sua trajetória poética, fala sobre exílio, concretismo, artes plásticas. A revista, que agora será trimestral, em vez de semestral, publica ainda sobre ele um ensaio, uma cronologia e um poema inédito.
— Sempre fico me sentido homenageado além do merecido — diz ele, modestamente.
Livro com poemas sobre bichos foi escrito no carro
Ferreira Gullar não pára. Sempre recebe propostas para participar de eventos, escrever artigos, conceder entrevistas e ser ele próprio o entrevistador, como no programa “Gerações”, da STV. Todo mês ele vai a São Paulo para as gravações e conversa com gente comum sobre temas como terceira idade ou samba de breque. Antes, viajava de avião, mas desistiu depois de levar sustos na ponte aérea. Agora, só vai de carro.
— Já escrevi um livro de criança no carro. São poemas sobre bicho, como cachorro, cavalo, jibóia, papagaio, urubu. Eu me divirto — conta ele, rindo.
Entre tanta coisa, a poesia — o que considera mais importante para ele — acontece vez por outra. Seu último livro de poemas, “Muitas vozes”, é de 1999 e o anterior tinha sido lançado 12 anos antes. Gullar gosta de dizer que o poema nasce do espanto.
— A poesia surge raramente. Às vezes passo um ano sem escrever, porque ela precisa pintar de uma maneira inevitável. Não vou escrever por escrever.
Quando lança um livro, o poeta chega a ter a sensação de que nunca mais vai escrever. Mas isso passa, porque ele descobre novos veios — “veios de prata, de ouro, que fico explorando e os poemas vão nascendo”. No momento é o veio do Sol, de todo o Universo, que o absorve. Os novos poemas se relacionam à duração das coisas, conta Gullar, que, porém, não se sente atraído por imortalidades institucionais, como a da Academia Brasileira de Letras.
— Sem a instituição a cultura não sobrevive. Quem a preservaria? Mas existe a não-institucionalização, do que fica à margem. É o que está solto, o cavalo brabo, a criatividade espontânea, vital, de quem está permanentemente criando fora das instituições e das normas, de quem está livre. Gostaria de criar a partir do zero, embora isso seja impossível. Mas existe a surpresa: começo um poema e não sei o que vai dar. O barato é inventar — afirma Gullar, em sintonia com o clima alternativo da Primavera dos Livros.
Rachel Bertol / O Globo
— Quando as coisas crescem demais, elas ficam esmagadoras, assustadoras, saem da medida. Não gosto do que é muito grande, monumental — afirma o poeta, que, por isso mesmo, aceitou feliz o convite para ser o primeiro patrono da Primavera dos Livros, a feira das médias e pequenas editoras, que, em sua quarta edição, começa hoje no Jockey Club, na Gávea, e poderá ser visitada até domingo. — A Primavera é uma iniciativa muito boa, uma alternativa para as editoras menores, porque a outra feira (a Bienal do Livro) é muito grande, muito cara. As pequenas não têm como participar, a menos que se juntem em grupo. Acho a Primavera muito simpática, justamente por ser menor.
O poeta está recebendo dupla homenagem, porque a nova edição da revista “Poesia sempre”, editada pela Biblioteca Nacional, vai ser lançada hoje na Primavera, reformulada e com um dossiê sobre o autor de “Poema sujo” e “Luta corporal”. Gullar vai conversar com o público às 18h e depois autografar a revista, na qual se pode ler uma entrevista em que faz um balanço de sua trajetória poética, fala sobre exílio, concretismo, artes plásticas. A revista, que agora será trimestral, em vez de semestral, publica ainda sobre ele um ensaio, uma cronologia e um poema inédito.
— Sempre fico me sentido homenageado além do merecido — diz ele, modestamente.
Livro com poemas sobre bichos foi escrito no carro
Ferreira Gullar não pára. Sempre recebe propostas para participar de eventos, escrever artigos, conceder entrevistas e ser ele próprio o entrevistador, como no programa “Gerações”, da STV. Todo mês ele vai a São Paulo para as gravações e conversa com gente comum sobre temas como terceira idade ou samba de breque. Antes, viajava de avião, mas desistiu depois de levar sustos na ponte aérea. Agora, só vai de carro.
— Já escrevi um livro de criança no carro. São poemas sobre bicho, como cachorro, cavalo, jibóia, papagaio, urubu. Eu me divirto — conta ele, rindo.
Entre tanta coisa, a poesia — o que considera mais importante para ele — acontece vez por outra. Seu último livro de poemas, “Muitas vozes”, é de 1999 e o anterior tinha sido lançado 12 anos antes. Gullar gosta de dizer que o poema nasce do espanto.
— A poesia surge raramente. Às vezes passo um ano sem escrever, porque ela precisa pintar de uma maneira inevitável. Não vou escrever por escrever.
Quando lança um livro, o poeta chega a ter a sensação de que nunca mais vai escrever. Mas isso passa, porque ele descobre novos veios — “veios de prata, de ouro, que fico explorando e os poemas vão nascendo”. No momento é o veio do Sol, de todo o Universo, que o absorve. Os novos poemas se relacionam à duração das coisas, conta Gullar, que, porém, não se sente atraído por imortalidades institucionais, como a da Academia Brasileira de Letras.
— Sem a instituição a cultura não sobrevive. Quem a preservaria? Mas existe a não-institucionalização, do que fica à margem. É o que está solto, o cavalo brabo, a criatividade espontânea, vital, de quem está permanentemente criando fora das instituições e das normas, de quem está livre. Gostaria de criar a partir do zero, embora isso seja impossível. Mas existe a surpresa: começo um poema e não sei o que vai dar. O barato é inventar — afirma Gullar, em sintonia com o clima alternativo da Primavera dos Livros.
Rachel Bertol / O Globo
<< Home