Miséria cresceu no 1º ano de Lula
Flávia Oliveira/O GLOBO
A miséria aumentou no primeiro ano do governo Lula. Cálculo inédito do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPS-FGV) mostra que a parcela da população que não ganha o suficiente para comer passou de 26,23% em 2002 para 27,26% no ano passado. Significa dizer que 47,4 milhões de brasileiros não têm dinheiro para comprar a cesta de alimentos que lhes garanta o consumo diário de 2.888 calorias, nível recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Dos economistas dedicados à área social, Marcelo Neri, chefe do CPS-FGV, foi o primeiro a calcular a proporção de indigentes com base nos dados da recém-divulgada Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-2003), do IBGE. Ele estimou que, no ano passado, a quantia mínima para suprir as necessidades alimentares dos brasileiros era de R$ 108 mensais por habitante. Em 2002, eram R$ 93.
Crise de emprego piora quadro social
Os dados da Fundação mostram que a miséria cresceu fortemente nas regiões metropolitanas (de 16,6% para 19,14% de um ano para o outro), mas caiu no campo (de 51,4% para 51%), onde a situação é mais aguda. Para Neri, a crise no mercado de trabalho explica o agravamento dos indicadores sociais nos grandes centros urbanos. Já as áreas rurais, completa, estariam começando a exibir os efeitos das políticas públicas que têm tido prioridade desde o governo passado.
Raciocínio semelhante tem o Ministério do Desenvolvimento Social, que comentou a pesquisa por meio de sua assessoria de imprensa. Mesmo frisando que não conhece a metodologia da FGV, o ministério informou que as estatísticas estão de acordo com a prioridade que o governo Lula deu às áreas pobres do semi-árido em 2003. O governo espera melhorar os indicadores metropolitanos este ano, uma vez que, de janeiro a julho, a meta era incluir no Bolsa Família 901 mil lares dessas regiões. Hoje, o principal programa de transferência de renda do governo federal atende a cinco milhões de famílias em 27 estados.
O aumento da pobreza no ano passado não chegou a surpreender os especialistas da área social. Maurício Blanco, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), previa a tendência desde que viu os resultados da Pnad. Segundo ele, seria difícil haver redução de pobreza com queda real de 8% na renda dos domicílios:
— A renda caiu forte em todas as faixas analisadas e o desemprego aumentou. O ano passado foi difícil.
O economista Marcelo Medeiros, do Centro Internacional de Pobreza da ONU, diz que o aumento do desemprego no ano passado contribuiu para agravar os indicadores sociais. E que os indícios de uma crise estrutural no mercado de trabalho, especialmente para quem tem baixa escolaridade, sugerem que a desocupação tornou-se fator importante para explicar o aumento da miséria.
O ex-gari Geraldo José do Nascimento é o exemplo vivo do fenômeno. Desempregado há sete meses, não sabe como pagar os R$ 500 de dívida que tem com banco e crediários. Aos 51 anos, ele busca ocupação diariamente, mas no momento não tem conseguido nem biscates. A sobrevivência da família vem do salário-mínimo que a esposa ganha por mês, trabalhando como faxineira.
— Graças a Deus não pago aluguel. Agora, poderia estar na rua — diz.
A linha da fome de Neri é superior a quase todas as outras calculadas no Brasil — e que usam como referência o dólar ou o salário-mínimo. Mas, entre 92 e 2002, seguiu a tendência da linha de indigência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento. O Ipea calcula sua linha com base na ingestão de 2.100 calorias diárias, mínimo fixado pela FAO, órgão das Nações Unidas. No último dado disponível, a parcela de miseráveis caíra de 15,25% em 2001 para 12,16% em 2002. Em 2001, a proporção de indigentes, para Neri, era de 28,72%.
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