fevereiro 20, 2005

Sem álibis



Por Vicente Jorge Silva

A esquerda - toda a esquerda - ganhou, e a direita - toda a direita - perdeu. Mais significativo, embora já previsível o PS conquistou pela primeira vez a maioria absoluta. É uma situação sem precedentes equiparáveis na história da democracia portuguesa. E que reflecte uma alteração radical no xadrez político, tanto mais relevante quanto é certo que ocorre apenas três anos depois de o PS ter sido castigado duramente nas eleições autárquicas, levando Guterres a sair de cena. À desilusão profunda com o guterrismo sucede uma espécie de acto de contrição do eleitorado que, aparentemente, acaba por lavar o PS de toda a culpa e conceder-lhe de bandeja essa maioria absoluta nunca alcançada. A um fenómeno de rejeição seguiu-se outro fenómeno de rejeição num curtíssimo espaço de tempo, em que a memória parece ter-se apagado. Isso deveria fazer reflectir José Sócrates. A tentação de reeditar ou recauchutar o guterrismo poderá ser-lhe fatal, apesar da margem de manobra que a força e a legitimidade do voto maioritário lhe concederam. Os tempos de aprovação e rejeição tornam-se cada vez mais estreitos e virtuais e a ressurreição da tralha guterrista poderia comprometer, radicalmente, o estado de graça que por norma se concede a um novo chefe do Governo. Resta saber, porém, qual é o espaço de escolha de que Sócrates efectivamente dispõe para encontrar quem possa devolver a confiança aos portugueses. Sócrates ganhou mais pelo demérito da direita do que pelo mérito dos compromissos que (não) estabeleceu com o eleitorado. Isso diz tudo sobre a dimensão da derrota de Santana Lopes mas também de Paulo Portas (apesar dos truques de prestidigitação com que o líder do PP tentou colocar-se ao abrigo da tempestade que justamente se abateu sobre o Executivo de que fez parte). Isso diz tudo, ainda, sobre o efeito da fuga de Durão Barroso quando essa tempestade se anunciou, levando-o a abrigar-se sob o providencial chapéu de chuva de Bruxelas. Santana não deverá sobreviver à frente do PSD e Portas só irá sobreviver no PP apenas porque não há ninguém que, nesse pequeno núcleo da direita, esteja disposto a abdicar das mordomias privadas para envolver-se na causa pública. O Bloco cresceu para outro patamar, mas sem poder pesar imediata- mente no equilíbrio de forças à esquerda. E o factor humano de Jerónimo permitiu ao PCP assegurar o limiar de sobrevivência que estava ameaçado. O PS tem, para já, as mãos livres e não pode invocar álibis para não responder às expectativas do País. Foi essa a mensagem fundamental dos eleitores.