janeiro 18, 2006

BLOGUES / Na redacção

Eu já vos tinha avisado que ia acabar por continuar a roubar textos ao blogue da Constança. Este comentário deve ser lido pelos estudantes de jornalismo. [RF]

Na redacção

Para quem fica em terra, sentada numa secretária, presa a um telemóvel e à agenda dos candidatos, a campanha é uma época pesada, de estridente monotonia. Desta vez, e ao contrário do que aconteceu no passado, fiquei na redacção, praticamente sozinha, a ver a secção de política passear-se pela paisagem, exibindo alegremente os seus dotes profissionais. É verdade que os relatos não são exaltantes. Faz frio, o cansaço acumula-se, os discursos repetem-se e as acções de rua, (que agora se chamam arruadas) confirmam, apenas, o marasmo dos dias e as formalidades de qualquer campanha. Os candidatos e o povo. Uma cara conhecida. Um apoio de peso. Uma frase que fica. E, por junto, é tudo o que fica. As questões interessantíssimas, que Pacheco Pereira tem debaixo da língua, prontas a ser declinadas na noite das eleições, não chegam sequer a ser referidas – quanto mais a ficar registadas. Os candidatos esquivam-se. Cenários não se analisam. Cenários são para os comentadores de domingo, para jornalistas distraídos dos problemas nacionais que todos querem ver discutidos. Cenários verificam-se, somente, no próprio dia, com o voto do povo e a vontade do povo e as contas que o povo tem a ajustar com a vida.

Tudo isto passa pela redacção, através do telefone e dos telejornais, abafado pela distância e pelas exigências técnicas do meio. Ao fim de uma semana, os hábitos criam-se. “Que é que o Cavaco disse? Nada, não quis comentar mas podemos pô-lo a não comentar”; “E o Alegre ainda está na arruada? Não, eu é que estou, ele perdeu-se da arruada”; “E o Soares disse alguma coisa? Uns 'vivos' fortíssimos contra o Cavaco”. Tudo previsto, apesar de não ser muito frequente um candidato perder-se da sua própria arruada. E assim vai continuar, até domingo, quando os resultados se tornarem oficiais e a campanha pertencer finalmente ao passado. A partir daí, entra-se freneticamente no dia seguinte. Aquilo a que os jornalistas gostam de chamar o day after. E os comentadores gostam de analisar ao milímetro. A estabilidade é um mito.

Constança Cunha e Sá