julho 07, 2004

A guerra de Michael Moore


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A missão de Moore

Helena Celestino
Correspondente NOVA YORK / O GLOBO

O cineasta Michael Moore tem uma missão e muita pressa; quer remover o presidente George W. Bush da Casa Branca e precisa aproveitar todos os dias até a eleição de 2 de novembro. Para isso, conta com “Fahrenheit 11 de setembro”, seu tragicômico documentário sobre a atuação do governo Bush, filme que virou um fenômeno político e cultural nos Estados Unidos ao bater todos os recordes de público de um longa de não-ficção, faturando US$ 60 milhões em duas semanas e transformando-se em potente arma contra a reeleição do presidente. O diretor é o centro da polêmica pré-eleitoral e não tem desperdiçado um minuto: está usando seu arsenal anti-Bush na capa da revista “Time”, nos programas de entrevistas das televisões, e com freqüência é visto conversando com o público na porta de alguns dos 1.925 cinemas do país que exibem seu filme. Às vésperas do lançamento internacional de “Fahrenheit” — no Brasil, a estréia será dia 23 — reuniu a imprensa estrangeira em Nova York para explicar por que não pode acompanhar seu documentário pelo mundo.

— A missão de “Fahrenheit 9/11” é remover Bush da Casa Branca e cada dia fora dos Estados Unidos é um dia longe desta missão — disse.

Trata-se de um documentário ou de uma propaganda? A pergunta, que vem sendo feita pelos que o acusam de panfletário, não perturba Moore.

— Claro que é um documentário. É um trabalho jornalístico, um jornalismo editorializado, a minha opinião baseada em fatos. Minha opinião, minha teoria, minhas perguntas. Minha opinião pode ser certa ou errada, está sujeita ao debate e à discussão. Mas os fatos que eu apresento no filme são fatos e são irrefutáveis — garante.

Seu trabalho é de militante ou cineasta? Esta contradição também não existe para ele, Moore é muito claro sobre seus objetivos. Cada filme seu tem uma tarefa a curto prazo mas, a longo, todos têm a mesma missão: mudar o mundo.

— A longo prazo, o objetivo de “Fahrenheit” é o mesmo que o do meu primeiro filme, “Roger e eu”. O sistema econômico deste país é injusto, antidemocrático e eu me recuso a fazer filmes que sirvam apenas de band-aids para isso, precisamos resolver os grandes problemas — afirma.

Tudo isso é dito com a mesma mistura de humor e seriedade que fez dele um tipo especial de documentarista, aquele que sai dos bastidores para aparecer diante das câmeras em situações insólitas. Em “Fahrenheit”, por exemplo, ao saber que os senadores tinham aprovado sem ler uma lei restringindo as liberdades civis por causa do perigo de atentados, alugou um caminhão e circulou em torno do Congresso, lendo o Ato Patriótico num megafone. Na terça-feira, no Hotel Essex, transformou sua entrevista num show, rindo dele mesmo, imitando o estilo Bush, repetindo as denúncias do filme, batendo na imprensa, no Partido Democrata, tudo devidamente documentado por sua equipe de filmagem. Ao vivo, atua como aparece nos filmes: gordão, todo de preto, com um indefectível boné na cabeça. Mas parece mais sofisticado intelectualmente do que na tela, quando se finge de ingênuo para fazer perguntas incômodas aos poderosos. Tem informações sobre a situação política dos mais variados países e mandou recado para o público de cada lugar onde o filme será lançado.

Imprensa fica mal no filme

— Queria agradecer ao povo do Brasil por integrar a coalizão de países que invadiram o Iraque. Posso imaginar as pressões e as ameaças econômicas feitas em razão de o país não ter ido à guerra — diz, anunciando que gostaria de fazer um filme nas ruas brasileiras para saber a opinião das pessoas sobre os americanos.

O Brasil recebeu um de seus poucos elogios em quase duas horas. Não poupou acusações à mídia americana, a quem acusa de ter prestado um desserviço ao país por não fazer seu trabalho corretamente. Segundo ele, nas portas do cinema o que mais se ouve são pessoas perguntando por que os fatos mostrados no filme não apareceram nos noticiários das TVs e nos jornais. — Não é absurdo jovens de universidade estarem vendo pela primeira vez soldados dizerem que não querem voltar ao Iraque? — pergunta.

Considera embaraçoso o fato de a imprensa ter embarcado na teoria do governo de que o Iraque teria armas de destruição em massa, baseando-se naqueles “desenhos de criança” mostrados pelo secretário Colin Powell na ONU.

— Este filme é embaraçoso para a imprensa, especialmente para o jornalismo da televisão. Lamento dizer, mas uma parte do sangue dos mortos no Iraque está nas mãos dos jornalistas — diz.

O cineasta também é crítico em relação ao Partido Democrata. Apesar de Bush ser o grande adversário, não faz declaração de voto e diz que prometeu a si mesmo não apoiar político que tenha votado a favor da guerra no Iraque, caso do candidato democrata John Kerry. Nas últimas duas eleições, votou em Ralph Nader, mas acha que se o candidato independente fosse responsável pela derrota de Kerry seria o pior dos mundos. Afirma que até agora a Casa Branca não reagiu a seu filme, mas não resiste a brincar com a possibilidade de estas terem sido suas últimas palavras antes de seu corpo aparecer boiando num rio da Flórida. Garante que nunca encontrou Kerry nem vai participar da campanha, mas estimula as pessoas a irem à porta dos cinemas registrar novos eleitores, pois diz que 50% dos americanos não votam — entre os que votam, segundo ele, 50% são contra Bush.

— Fico feliz quando as pessoas dizem que votarão pela primeira vez por causa do filme. Mas sou cineasta, não cabe a mim dizer o que os eleitores devem fazer — diz, prometendo agitar a convenção do Partido Republicano em Nova York, em agosto.



O cineasta responde às críticas

“Vou instituir um prêmio de US$ 10 mil para quem conseguir provar que alguma das informações do filme não é verdadeira”, diz provocativamente o cineasta Michael Moore. Os melhores momentos do filme são também os mais contestados mas ele rebate todas as acusações de que distorceu os fatos e diz que vai revelar as fontes de suas informações em 30 páginas que conectará ao seu site na internet. Algumas das polêmicas:

FILME: Moore diz que 142 sauditas, incluindo membros da família Bin Laden e da família real, deixaram os Estados Unidos depois do 11 de setembro, quando o espaço aéreo ainda estava fechado.

CRÍTICA: Um avião deixou os EUA no dia 13 de setembro mas, segundo a comissão que investiga o atentado, a maioria dos sauditas da família real teria saído do país depois disso.

RÉPLICA DE MOORE: “Eu estava em Los Angeles e não consegui voltar para casa, bem que gostaria de ter recebido um telefonema de alguém da Casa Branca me ajudando a pegar um avião. Vocês lembram que na época se prendiam pessoas só por causa da cor da pele? Não é estranho que um avião tenha ido buscar no dia 13 de setembro sauditas e membros da família Bin Laden?”

FILME: Moore diz que os sauditas investiram US$ 1,4 bilhão em firmas ligadas à família Bush e a seus amigos, deixando implícito que isto poderia ter feito o presidente não apurar o envolvimento dos sauditas no atentado do 11 de setembro.

CRÍTICA: Quase US$ 1,8 bilhão foi pago a uma empresa (a BDM) por ter treinado os militares sauditas. Na época esta empresa era do grupo Carlyle, em cujo conselho Bush-pai trabalhou, mas só depois de a BDM ter sido vendida.

RÉPLICA DE MOORE: “O então secretário do Tesouro, James Baker, e o chefe da campanha de Bush, o velho, trabalharam na Carlyle nos anos 90 e a família real investiu US$ 1,4 bilhão no grupo”.

FILME: Moore, no filme, acusa o presidente George W. Bush de querer construir um oleoduto através do Afeganistão, o que o fez receber uma visita oficial dos talibãs.

CRÍTICA: O oleoduto, segundo o governo Bush, foi projetado durante o governo anterior, de Bill Clinton.

RÉPLICA DE MOORE: “O que os talibãs estavam fazendo no Texas? Isto é uma pergunta legítima, deveria ter sido feita a Clinton mas estou perguntando a Bush porque ele é o presidente agora. Bush era o governador do Texas na época da visita dos talibãs. O contrato para o oleoduto foi assinado agora entre o Afeganistão, o Turquistão e o Paquistão. Por que só a BBC cobriu isso na época?”