janeiro 20, 2006

PRESIDENCIAIS / A ilusão

Sendo Cavaco um incorrigível autoritário, o problema é, na realidade, mais simbólico do que político. E num país com um imaginário repleto de pais tiranos, há retrocessos que não devemos desprezar.

MUITOS apoiantes de Mário Soares têm agitado, ao longo da campanha, o fantasma da instabilidade perante a iminência de uma vitória de Cavaco Silva. Acredito que eles acreditem no que dizem. Mas estão enganados.

Antes de mais, a instabilidade política tem hoje apenas uma ténue ligação com a instabilidade económica. No fundamental, as grandes opções económicas estão feitas e, perante elas, PS e PSD estão absolutamente de acordo. A privatização do pouco que ainda não foi privatizado, a contenção nas prestações sociais e a aposta numa competitividade assente em salários baixos são política oficial do país. São as «grandes reformas» aplaudidas pelo «mainstream» da classe política e económica. Se a social-democracia está morta por toda a Europa, nunca chegou a nascer em Portugal.

Mas mesmo no estrito terreno da política, Cavaco não é um perigo para Sócrates. Os eleitores, que se desenganem os socialistas, bem queriam que ele o fosse. Mas ele não está para aí virado. É o candidato do bloco central, como Sócrates, há uns meses, o foi. Até às próximas eleições legislativas, até ter feito o seu golpe de Estado no PSD, o professor pretende entender-se com o primeiro-ministro. E para Sócrates qualquer pequena rixa com Cavaco até será uma bênção. Nunca passará do pormenor e fará Sócrates parecer um homem com preocupações sociais. Mais importante: a direita fica paralisada, pendurada em Belém, e condenada a uma cooperação estratégica com o Governo. Pelo menos nos próximos três anos, Sócrates dormirá descansado. A direita, essa, terá de esperar que Cavaco lhe queira arrumar a casa. Bem pode viver, por estes dias, algum contentamento. Não passa de uma ilusão. Tão grande como a dos que, querendo castigar Sócrates, pretendem votar no seu espelho. Sendo Cavaco um incorrigível autoritário, o problema é, na realidade, mais simbólico do que político. E num país com um imaginário repleto de pais tiranos, há retrocessos que não devemos desprezar.

Os três votos

FORA de Cavaco há três alternativas de voto. Em Mário Soares. Um voto militante no PS. Soares, que não deu porque já havia um candidato pronto para explicar os «sacrifícios» aos portugueses, cometeu um erro fatal: quis ser o candidato de Sócrates, transformando-se assim, aos olhos dos eleitores, no responsável por todos os males do presente e até do passado. Simbolicamente, vestiu o fato do candidato do poder. Um saco de boxe. Em Manuel Alegre. Excelente almofada para o Governo. Parte da irritação, à esquerda, com este Governo, irá para um projecto egocêntrico e politicamente inconsequente que já deixou claro não querer fazer nada com os seus votos. Um espaço de catarse que acabará como a sua campanha: num cemitério político.

Sem que se esqueçam que não sou nem me faço passar por independente, sobra um voto. Em Louçã e em Jerónimo. Os únicos que sobrevivem ao dia 22. A curto prazo, a eficácia dos dois é a mesma. Mas a longo prazo, não. Porque Louçã entra no eleitorado socialista e jovem. Faz, de forma estruturada, a ponte entre diferentes tradições da esquerda. Consegue juntar o discurso liberal nos costumes com o discurso socialista na economia. É transversal aos grupos sociais, aos espaços políticos e às várias gerações. E é, como se viu nesta campanha, o mais preparado dos líderes de esquerda. O espaço político à esquerda, fora da moleza do PS e da rigidez do PCP, sempre existiu. Teve, em Maria de Lurdes Pintasilgo, a sua primeira manifestação eleitoral relevante. E Francisco Louçã transformou-se, de forma consistente e por mérito próprio, no protagonista que lhe faltava. E esse espaço tem hoje muito mais por onde crescer do que há vinte anos. Não é por acaso que a direita, que antes lhe achava graça, lhe tem hoje um ódio de morte. Bom sinal.

À espera de Cavaco. Souto Moura informa que o inquérito ao registo de telefonemas de metade a classe política portuguesa, que num país normal levaria à sua imediata demissão, só estará pronto depois das eleições presidenciais.

Grande comício de encerramento de Manuel Alegre: todos ao cemitério dos Prazeres! Depois de Salgado Zenha, Norton de Matos, Miguel Torga, Fernando Vale e mais uns tantos, a romaria eleitoral de Manuel Alegre tentou homenagear Sousa Franco, acusando a viúva de estar a ser manipulada.

Resumo de um país. Segundo os últimos números, o desemprego continua a subir entre licenciados, enquanto diminui em trabalhadores sem qualificações.
[EXPRESSO]